terça-feira, 27 de dezembro de 2011

(in)Feliz natal

Era véspera de natal. E tudo o que eu queria era ganhar um presente. Mas como? Pessoas com minha vida, minha renda não podem se dar ao luxo nem de querer um. Mas eu queria. Como queria. Neste momento, era o que eu mais queria. Mais do que a comida que me chega ao prato quase todos os dias, mais que a água quase sempre suja que bebo. Um presente. Meu primeiro presente. Passeava pelas ruas e olhava as vitrines das lojas imaginando... "Se eu ganhasse um presente, ou mesmo que fosse comprá-lo para mim mesma, o que seria?" Sinceramente, eu não fazia ideia. Nunca havia ganhado um presente. Nunca tinha sido uma pessoa de ter muitas coisas. Ou mesmo me importar com o pouco que eu tinha. Não era uma pessoa materialista. Não desejava possuir nada. O que eu sabia era que um presente, seja ele o que fosse, era o que eu queria. Ao menos uma vez. Ao menos desta vez. Vagava sem destino, pelas ruas cobertas de neve. "Pra quê voltar pra casa? Para o chão frio e pouco coberto que eu teria que dormir..." Vaguei a noite inteira. E vi o sol clarear o dia, trazer a manhã para aquela noite escura. Vi o sol clarear a manhã de natal. Ele quase conseguia aquecer o meu corpo levemente congelado da noite fria que havia passado fora de casa. Era natal. Hoje eu não tinha que trabalhar. Mas estava me sentindo meio mal. Talvez pela falta de comida... mas não acredito que seja isso. Fui visitar um cliente antigo. Que se tornou um velho amigo. Eu havia passado mal na noite que estava com ele. Era um médico. E me socorreu. Bati à porta e ele atendeu. Nos comprimentamos. Ele me serviu café e conversamos sobre meu enjôo. Ele me deu uma examinada e concluiu: "Era um presente o que mais queria neste natal, certo?" e eu "Claro... mas como você me examinar termina com essa conclusão?" "Você está grávida." O meu presente. Ganhei um presente. Uma vida pra tomar conta. Mais uma boca para alimentar. Mas era um presente. Era o que eu mais queria neste mundo. Um presente. Nos abraçamos, comi mais um pouco e nos despedimos. Agradeci por tudo que ele havia me ajudado, pelo café da manhã de natal e pela maravilhosa notícia do meu presente. Agora eu caminhava pelas ruas com o maior sorriso que já havia dado. E não era pra agradar ninguém, era pra mim. Nunca havia sido tão feliz em toda minha vida. Mas a minha felicidade me distraiu. Quem não fica distraído quando está feliz? Fui atravessar a rua, que ainda estava coberta de gelo. O motorista do caminhão desviou sua atenção por um milésimo de segundo. Mas foi o que bastou. Quando percebi, estava no chão frio com a visão meio turva e com frio. Com frio eu já estava, mas esse frio era diferente. Todo o calor do meu corpo havia sumido. Eu só conseguia sentir as lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas e logo se congelando. Vi o motorista chegando perto de mim, meio que me examinando com um rosto pasmo. Gritava alguma coisa, mas eu não conseguia ouvir. Foi quando percebi o quão cansada eu estava. Eu não tinha dormido esta noite. Estava cansada por dois, grávida. Provavelmente já nem estava mais grávida. Breves foram os momentos que passei com meu presente. Mal o aproveitei. Nem tive a chance de descobrir se era menino ou menina. Sentia uma pressão no meu peito e fui perdendo o ar. O ar gélido já não entrava mais em meus pulmões. Pisquei por um segundo. Acordei. Era um lugar tão claro quanto o que eu acabara de deixar. Mas a minha sensação era outra. Eu conseguia respirar, e o ar não era gélido. Era um ar quente e macio. Como eu nunca havia sentido antes. Provavelmente um clima de praia. E logo vi o mar azul. Sempre quis ir à praia. Sentir a brisa do mar, andar com os pés na areia e curtir o sol. E agora podia. Para sempre.

0 rubrica(s):

Postar um comentário