Eu nunca fui muito boa com nomes. Ou números. Ou endereços. Ou caminhos. Ou lembranças. A verdade é que minha memória (ou mesmo minha cabeça) é uma coisa meio louca. Não tem muita hora, é meio de lua, lembra do que gosta e do que que quer, ou (às vezes) do que precisa.
Passei a minha vida inteira em um apartamento só. Eu nem nunca mudei de quarto. Conheço cada cantinho, cada tábua que faz barulho (para não pisar à noite), cada porta que range, o quanto cada janela pesa para abrir. Vivi muitas coisas nesse um apartamento. Me lembrava do meu pai quando voltava dos fins de semana que passava com ele, tive um cachorro que com poucos anos faleceu, discuti inúmeras vezes com minha mãe e meu irmão, caí, me machuquei, arranquei meus dentes, andei de skate, de patins (sim, dentro do apartamento), viajei a lugares incríveis assistindo filmes e lendo livros, descansei ao voltar de viagens, escondi objetos pessoais, fiz bagunça, arrumei, conversei sozinha em tudo quanto foi momento e, acima de tudo, já me apaixonei e desapaixonei diversas vezes enquanto morei nele. Se as paredes desse apartamento pudessem falar, contariam toda a minha história, provavelmente até melhor do que eu. Só elas sabem exatamente tudo o que eu passei enquanto morei nele. Só elas saberiam me descrever como ninguém, só elas me entendem, só elas. Só elas sabem o que eu aprontei dentro daquele lugar. O apartamento em si me deu vida. Cresci lá. Mas mais do que isso, o meu quarto. Que desde o princípio foi meu. Antes eu até o dividia com meu irmão, mas chegou um dia que ele teve de sair. Era meu. Só meu. Agora, se as paredes daquele quarto pudessem falar... a história seria muita mais divertida, intensa e emocionante. Se algum lugar me conhece naquele antigo lugar, é aquele quarto. Vou sentir falta das tábuas que rangiam ao se pisar, que depois fui aprendendo a dosar o peso e não fazer barulho. Vou sentir falta das portas dos armários que enchi com adesivos. Vou sentir falta das paredes que por diversos dias e noites me escutaram rir, chorar, xingar, desabafar, me expressar. Mas mais do que tudo isso, eu agradeço por estar me despedindo. Esse dia ia chegar e que bom que ele veio em paz, veio calmo e sereno e eu pude parar para refletir. Era exatamente disso que eu estava precisando para definitivamente mudar a minha vida. A pessoa que eu era e a pessoa que eu quero ser daqui pra frente. Era mais disso que eu estava precisando do que qualquer outra mudança que já aconteceu. Só mais essa, pra eternizar.
Eu acho engraçado quando paro pra pensar no que me apego. Um apartamento. Coisa mais esquisita para se apegar. Mas não sei, talvez seja mais do que isso, mais do que apenas um apartamento. São vinte anos. São toda a minha vida.
Mas também não são quase nada.