terça-feira, 12 de novembro de 2019

dia 95

Pois, como se nota, não conseguir manter meu diário. 3 meses se passaram e o calor foi embora. Agora realmente já está frio. Um frio congelante que parece entranhar em cada fresta livre de carne a mostra. No Porto a chuva chegou com força, os dias tem sido cinzentos e escuros. Pelo sul o que ataca mesmo é o vento. Ainda não consigo dizer bem o que é pior. Acho que o frio é o pior. E olha que no Brasil eu era a primeira a dizer que amava frio. Ainda gosto, mas depois de passar frios mais frios que os frios que eu conhecia comecei a perceber que, assim como o calor, o frio é relativo e que o que dói mesmo é não ver o sol. Não ver o céu azul e as nuvens a passar. O cinza deprime um bocado, não dá vontade de fazer nada além de ficar deitada no quentinho assistindo um filme ou uma série. Hoje faço anos, é como dizem cá. Um quarto de século que se passa. Um quarto de século de experiências. Um quarto. É de onde escrevo nesse momento. Um quarto, com duas camas, uma mesa de cabeceira, um aquecedor. Nunca tive um aquecedor. Nunca passei meu aniversário no frio, muito louco isso. A gente muda de lugar e as perspectivas mudam. Tudo muda. Até a gente muda. E como muda. Mas tenho sido muito feliz com minhas escolhas, caso queiram saber. Tenho sido contemplada por todas elas, apesar dos diversos momentos de questionamentos "será que eu deveria ter feito isso? será que eu não estaria melhor assim ou assado? será que é isso mesmo que eu deveria estar fazendo nesse momento?". Porém cada vez mais tenho percebido que eu deveria estar onde eu quero estar, e por mais que eu queira estar em dois lugares ao mesmo tempo ainda não inventaram maneira de se fazer isso. Também tenho percebido que a vontade e o desejo apenas nos impulsionam a movimentar o que quer que precisamos movimentar, não necessariamente elas ditam as regras. Afinal, não sabemos quem dita as regras. Essa entidade ditadora tem muitos nomes e muitas interpretações. Eu a chamo de universo. E tento manter um diálogo harmonioso com ele, tento me colocar como ser-força-energia pensante e atuante enquanto tento ouvir seus conselhos e mensagens subjetivas e metafóricas. E é justamente nesse tentar perceber e interpretar seus conselhos que me encontro agora, no meu dia de anos, em uma residência artística, com pessoas que não tenho nenhuma intimidade. Ouvi dizer uma vez que nosso dia de ano é um reflexo de como será o nosso ano que se inicia, e até agora tem se realizado dessa maneira pra mim. Veremos o que esse quarto de século completos trará em sua bagagem. Enquanto isso, trabalho.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

dia 2

Hoje amanheceu quente. Engraçado como no verão, mesmo nublado, parece que fica um abafamento na rua. Ontem saí para passear por aqui e impressionantemente reparei que vários estabelecimentos fecham nesse período de agosto/setembro para férias. Ou seja, nem as pessoas do Porto ficam no Porto no verão. Aparentemente é uma coisa por aqui. No inverno acontece parecido, tem estabelecimentos que também fecham por um mês ou mais, porém acho que é por conta do frio mesmo.
Esses dias tenho sentido mais saudades que o normal. Não sei o que é exatamente, mas desde ontem tenho vontade de chorar quando penso em casa. E quando digo casa aqui não é necessariamente a minha casa, com as minhas coisas, a casa que vivia antes de vir pra cá. Casa aqui para mim é onde me sinto plena de uma maneira inexplicável, me sinto completamente segura de mim e do chão que estou pisando. Acho que essa casa pode vir a mudar de endereço, de cidade, de país. Mas, por enquanto, essa casa é Brasília. A cidade utópica no meio do cerrado no meio do território do Brasil no meio do continente no meio de uma placa tectônica. Meu país tropical, quente, tão imenso, tão diverso, tão rico, tão plural e tão incrível. Com uma história muito triste e dolorosa, assim como a de outros países que também sofreram com a colonização europeia, mas com muita resistência, muita cultura e muita transformação. Um país que tem vivido tempos sombrios e extremos. Me dói. Me dói no fundo do peito estar longe ao mesmo tempo que sinto um alívio imenso em poder olhar essa situação de fora. Tenho medo de como estaria se a estivesse vivendo de dentro. Tenho medo do que mais pode acontecer. Tenho medo de ficar. Tenho medo de ir. Tenho medo do dia de amanhã. Tenho medo.
Mas uma vez ouvi: "vai, e se der medo, vai com medo mesmo".

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

dia 1

Há meses não escrevo. Sinto muita falta dessa coisa de colocar pra fora elocubrações e pensamentos. Mas algo me acontece e eu não paro mais pra encarar a página branca que espera ser preenchida por ideias. 
Acordei hoje com esse desejo de preencher uma página em branco. Então pensei que poderia fazer algo como um diário, contando sobre acontecimentos, desejos e sensações vividas e vistas no dia a dia, e pensei que ele poderia trazer poesia para os dias frios e úmidos do Porto. Mas logo depois percebi que está em pleno verão por aqui e que a ironia de estar vivendo um verão tão frio, nublado e chuvoso era poesia pura para os olhos de quem busca admirar a beleza do cotidiano.
Sinto falta da minha máquina de escrever. Existe algo no fazer escrito que me preenche quando estou de frente a uma máquina de escrever. Sinto que sou tomada por uma súbita inspiração e que as palavras simplesmente escapam dos meus dedos e são carimbadas no papel. Sinto um poder tão grande em estar diante de tal máquina que não existe certo ou errado, existe o fluxo de pensamento que toma conta de mim e quando vejo, lá está a página preenchida por pensamentos meus que eu nem sequer sabia que estavam perambulando minha mente.
Agora preciso ir. O vento sopra, as janelas batem e os sinos tocam me avisando que já são 13:30 e eu ainda não saí da cama.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Do hábito ao fato


Pensei várias vezes em ti hoje, agora de noite. Te imaginei entrando pela porta, fazendo meu coração bater mais forte. Pensei no seu olhar encontrando com o meu. Teve até um momento que te vi saindo do bar, com aquele casaco bege, pra barrar o vento. Acho que é saudade. Misturada com carinho, e desejo de tá perto.

Fiquei mal acostumada com a sua presença embaixo do cobertor. Um simples esticar de braço e já encontrava seu corpo como obstáculo.
Caminho.
Passagem.
Paisagem carnal.
Quente.
Presente.

O sono fica inquieto e eu me pergunto a real necessidade que temos de criar esse tipo de dependência da outra pessoa. Não sei se chega a ser uma dependência mas talvez um costume. Ou um conforto.

Decerto eu não esperava me acostumar tão fácil assim.